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Insetos

Insetos e microalgas, alimentos do futuro

Para fazer face aos desafios hodiernos na área da alimentação, há dois projetos nacionais empenhados na procura de alimentos à base de insetos e microalgas.

Olhar para as microalgas como se olha para os espinafres e para os insetos como um substituto da carne?

As alterações climáticas e a previsão de atingir uma população mundial de nove mil milhões em 2050 já chamavam atenção para a forte necessidade de reduzirmos o desperdício alimentar e encontrar novas formas sustentáveis de produzir alimentos. Os constrangimentos da pandemia e a invasão da Ucrânia pela Rússia vieram acelerar ainda mais esta urgência e a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) sublinhou o impacto que a guerra terá a nível global sobretudo a nível alimentar.

“Estamos numa encruzilhada, só espero que a escassez provocada por esta guerra ignóbil nos acelere a caminhada no bom sentido. O bom sentido a que me refiro é o da produção de alimentos de forma mais sustentável, mais local, a valorizar os cereais ancestrais e as produções locais, usar a agricultura em rotações de cereal, as leguminosas, o pousio, como faziam os nossos avós, usando o estrume dos animais da quinta a substituir os adubos que escasseiam”, afirma Isabel Sousa, professora do Instituto Superior de Agronomia (ISA) e coordenadora do centro de investigação LEAF (Linking Landscape Environment Agriculture and Food).

Tornou-se imperativo encontrar novas fontes de alimentação alternativa, quer para consumo humano quer para consumo animal e já há empresas nacionais a darem os primeiros passos na produção de proteínas que possam vir a ser soluções alimentares interessantes num futuro próximo. Falamos de duas áreas que pretendem tornar-se importantes clusters nacionais, o da produção de insetos e o da produção de microalgas.

A utilização da proteína de inseto na alimentação é mais do que usual nas sociedades orientais, e a FAO tem defendido a sua utilização. Também a estratégia europeia do ‘Prado ao Prato’, incluída no Acordo Ecológico Europeu, identifica os insetos como uma boa alternativa alimentar. Neste sentido, e já com olhos postos no futuro, em 2015, Daniel Murta e Rui Nunes, dois investigadores com interesses similares, uniram-se num projeto ligado à investigação e produção de insetos, e após uma reunião no Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV) em Santarém, avançaram para o que é hoje a Entogreen, uma marca da empresa Ingredient Odissey.

 

A empresa desenvolveu uma linha de investigação centrada na utilização de insetos para a valorização de subprodutos vegetais e para a sua integração na nutrição animal e vegetal.

Esta bioindústria utiliza os desperdícios de produtos vegetais diretamente de produtores ou armazéns, que são utilizados na alimentação dos insetos. As larvas daí resultantes digerem os desperdícios orgânicos e convertem-nos em fertilizantes orgânicos para os solos.  Depois de desidratadas, as mesmas são também utilizadas para produzir farinhas que integram a alimentação animal, que é, neste momento, o principal produto da Entogreen. “Estamos muito dependentes da proteína importada para a alimentação animal. Quer Portugal quer toda a Europa importa soja e farinha de peixe da América e da Ásia, as duas principais origens. Com situações como a da pandemia ou a da guerra percebemos como estamos dependentes da travessia dos oceanos, e que temos de ter um foco mais local e cadeias de fornecimento mais curtas”, explicou Rui Nunes, diretor de operações da empresa.

Daniel Murta, CEO da Entogreen, revela que a nova fábrica do grupo, em Santarém, estará pronta a funcionar em outubro deste ano, e que representa um investimento de 13 milhões de euros, apoiado, em parte, por programas públicos, criando cerca de 50 novos postos de trabalho. “Vamos ter uma produção média anual de 2500 toneladas de concentrado proteico de inseto, cerca 500 toneladas de óleo de inseto e sete mil toneladas de fertilizante orgânico. Vai ter capacidade para converter cerca de 37 mil toneladas de excedentes vegetais por ano, volume que iria parar a um aterro. Assim atuamos na verdadeira economia circular”, afirmou. A farinha de inseto será canalizada essencialmente para petfood e para a alimentação de peixe em aquacultura e o óleo destina-se à produção de leitões. Estes produtos serão vendidos sobretudo ao mercado internacional. Já os fertilizantes orgânicos serão comercializados na Península Ibérica e no Norte de África. “Que seja do nosso conhecimento, esta é a primeira fábrica em grande escala de produção nacional de insetos. Acreditamos que deve estar entre as cinco primeiras na Europa e entre as 10 maiores do mundo”, sublinhou o CEO da Entogreen,

A utilização dos insetos na alimentação humana, área que é um pouco mais complexa, está também a avançar. A farinha de tenébrio molitor (larva da farinha) já foi aprovada pela União Europeia para consumo humano, e já pode ser comercializada em Portugal, podendo ser encontrados já alguns produtos nas prateleiras dos supermercados. Está prevista a construção de três fábricas produtoras de insetos (uma delas para a transformação do bagaço de azeite em fertilizante orgânico), uma fábrica de quitosano (a partir das cascas e pode ter várias aplicações até como substituto do plástico) e ainda um centro de I&D. Este investimento, que dará origem ao desenvolvimento de cem novos produtos, processos e serviços, pode criar um novo cluster em Portugal ligado a um setor em expansão no mundo. “Acreditamos que estamos a trabalhar para tornar Santarém na capital dos insetos, pois além da nossa fábrica, atualmente em construção, temos planos de expansão que passam por aquele concelho”, rematou Daniel Murta.

Mas a aposta nacional não se limita aos insetos e as microalgas também integram o negócio dos novos alimentos: instalada em Pataias, no concelho de Alcobaça, fica uma das maiores produções de microalgas da Europa. Nascida em 2007, pela mão do grupo Secil, a Allmicroalgae é atualmente um dos maiores grupos europeus nesta atividade dominada pela China, com mais de 90% do mercado mundial. O projeto, inicialmente, serviu para fixar, através das microalgas, o dióxido de carbono proveniente da indústria cimenteira. Atualmente, as microalgas mais do que um suplemento alimentar, são um produto que poderá fazer parte de uma alimentação regular. Em 2013 foi construída a unidade que tem cerca de dois mil metros cúbicos de produção e que abrange a nutrição humana, ração animal, agricultura e cosmética. Em 2014 foi criada a marca Allma, para a alimentação humana.

Em 2018, a empresa alcançou a certificação orgânica da União Europeia para a produção da Chlorella vulgaris e tornou-se a primeira empresa europeia com produção orgânica e em grande escala, sendo que, em 2020, uniu forças ao grupo francês de biotecnologia Greentech, para catapultar a sua posição internacional. Já em 2021, iniciou a produção de spirulina, uma microalga rica em proteínas, vitaminas e antioxidantes, usada em suplementos alimentares. Esta unidade ocupa cerca de 50 pessoas, de forma direta e indireta.

 

 

A Allmicroalgae faz parte do projeto ProFuture, que pretende encontrar fontes proteicas que sejam apelativas para a indústria alimentar. “Procuramos encontrar mutantes de Chlorella que tenham cor, sabor e cheiro apelativos. Desenvolvemos uma amarela que parece gema de ovo, uma branca que parece leite, uma verde que parece lima, e o objetivo é tornar as algas, que são uma fonte nutricional vegetal sustentável, um ingrediente de fácil utilização na indústria alimentar e pôr estas algas no nosso supermercado”, explica Joana Silva, gestora e responsável de Investigação &Desenvolvimento.

A Chlorella é uma microalga rica em fibras, proteínas, ómega 3, vitaminas do complexo B, vitamina A e C, e minerais como fósforo e potássio. “Porque não ter um queijo à base de uma Chlorella branca, ou um bolo sem ovo, mas que fique amarelo, ou ter um pão proteico quase sem glúten, na nossa dispensa?”, questiona a gestora. “Gostava que as pessoas olhassem para este alimento como olham para os espinafres, até porque a tonelada fica mais barata, e que também fizesse parte da dieta regular dos portugueses”, rematou Joana Silva.

 

Imagem: Entogreen