//Cozinha e Gastronomia

Cozinha e Gastronomia

Considera-se um gastrónomo(a) ou gastrólatra? Não é fácil definir gastronomia, mas vale a pena uma pequena reflexão sobre ela.

Nota da Redação – Este artigo foi publicado em junho de 2017 portanto, muito antes da pandemia. Agora que lentamente e ainda com restrições retomamos o prazer das refeições nos restaurantes, é interessante verificar como muito do que então se escreveu, ainda faz sentido.

Consultas a vários dicionários chegam a baralhar. Não se pode dizer que sejam contraditórios, mas apresentam princípios e conceitos algo diferenciados. Em minha opinião, trata-se de óbvia desactualização face à evolução que se vive nos últimos anos.

Preferi por isso, desta vez, abordar o tema com base na Enciclopédia Larousse onde Gastronomia é o “Conhecimento de tudo o que respeita à culinária, à organização das refeições, à arte de degustar e de apreciar a comida”.

Na verdade a gastronomia exige, sobretudo, conhecimento. De cozinha, naturalmente, ainda que o gastrónomo não tenha que ser, necessariamente, um cozinheiro. De acordo com a mesma fonte, Gastrónomo é a “pessoa que aprecia a boa mesa, que sabe distinguir a boa cozinha e os bons vinhos”.

Regra geral, os cozinheiros são excelentes gastrónomos. Mas existem verdadeiros gastrónomos que mal sabem cozinhar.
Portanto, um gastrónomo é o que sabe, ainda que pouco, sobre o que come e o que bebe.

Já aquele que gosta muito de comer, “que tudo sacrifica ao prazer de comer”… é um gastrólatra.

Actualmente a palavra gastronomia é tão utilizada que chega a fazer esquecer a culinária. No entanto, a gastronomia não pode ser entendida apenas na sua relação com a cozinha e as refeições. Ela é hoje muito mais que isso pois produtos como queijos e enchidos ou até mesmo conservas, pão ou as simples azeitonas, são incluídos na oferta gastronómica. Em locais mais “chiques” são até tratados por “produtos gourmet”.

Por outro lado, há já quem defenda que os vinhos estão incluídos naturalmente, na oferta gastronómica. Há, no entanto, quem insista em se referir à Eno-Gastronomia, separando assim a área dos vinhos.

Tradicionalmente escolhia-se o vinho em função da comida. Actualmente há já locais onde primeiro se escolhe o vinho e só depois se procura o prato que melhor “case” com a bebida.

Em Portugal vive-se actualmente um excelente período de oferta e procura. Cresce a oferta nos restaurantes de cozinha tradicional, moderna ou de fusão. Surgem todos os anos novos certames dedicados ao tema e, praticamente todas as festas e romarias passaram a incluir um espaço próprio para a oferta gastronómica.

Uma das explicações para o crescimento da procura está na grande melhoria das acessibilidades terrestres. Com alguma facilidade percorre-se 100 ou 200 Kilómetros de carro para conhecer “aquele restaurante” que está a fazer tanto sucesso.

Há 20 anos íamos a um determinado local “dar uma volta e depois aproveitamos para almoçar por lá”. Hoje, são muitos os que dizem vamos almoçar a tal local, “e depois, se der, damos uma volta por lá”.

Entretanto, acentuam-se, de alguma forma perigosamente, as divergências entre os que afirmam defender a cozinha tradicional portuguesa e os que são acusados de apoiar a “nova cozinha portuguesa”, cozinha contemporânea ou cozinha de autor. Felizmente que já quase não se fala de ‘nouvelle cuisine’.

Esta discussão, que na verdade vem atrasada alguns anos, até pode ser benéfica desde que os protagonistas estejam de boa-fé. Alargar a nossa oferta gastronómica a outras propostas de confecção, enriquecendo o cada vez mais valorizado empratamento e atribuindo-lhes designações mais ou menos elaboradas e criativas, só pode trazer benefícios.

O grande desafio tem, mais uma vez e sempre, um único nome. Qualidade.

Qualidade dos produtos que, no caso da maioria dos jovens chefes de cozinha são tradicionais ou nestes inspirados e com notáveis preocupações de higiene e segurança para os consumidores, nomeadamente através do uso de equipamentos e técnicas comprovadamente benéficas. Porventura de custos mais elevados, mas compensados pelo mais alto valor normalmente atribuído aos pratos.

Quanto à cozinha tradicional portuguesa ou de características marcadamente regionais, continuará a ter um espaço próprio e cada vez mais valorizado, desde que “defendida” por empresários e cozinheiros sérios e honestos. Cabe a todos nós alertar para o mau contributo dos «chicos espertos» para quem, como tiveram o desplante de me dizer na cara, “basta carregar nos temperos para compensar a falta de sabor dos produtos principais”.
Estes sim, constituem perigo para o futuro da nossa gastronomia.

Amílcar Malhó