Quase duas décadas depois, a data passa quase despercebida e as diretrizes que estão na base do texto são ignoradas ou mesmo desconhecidas.
Em 26 de julho de 2000 foi publicada no Diário da República a Resolução do Conselho de Ministros relativa à proteção e salvaguarda da gastronomia portuguesa. No documento, resultante da decisão de um Conselho de Ministros então chefiado pelo atual Secretário-Geral da ONU, António Guterres, a gastronomia portuguesa é elencada como “bem imaterial do património cultural de Portugal”.
Poder-se-á, como é habitual, desvalorizar ou mesmo criticar o conteúdo do documento, mas a verdade é que se trata do «melhor documento» simplesmente porque não temos outro.
Depois da euforia do(s) primeiro(s) ano(s) parece já não ser importante o ‘estatuto’ que foi atribuído à gastronomia portuguesa.
Apenas como exemplo da importância do texto, analisemos algumas (poucas) passagens:
Entendida como o fruto de saberes tradicionais que atestam a própria evolução histórica e social do povo português, a gastronomia nacional integra pois o património intangível que cumpre salvaguardar e promover.
Quanto tempo de existência deve ter um ‘saber’ para se considerar tradicional? Já se ouve falar – apenas a título de exemplo – da francesinha como uma oferta gastronómica ‘tradicional’ da cidade do Porto. Que constitua uma ‘atração’ gastronómica tudo bem, mas tradicional?
Outra passagem do texto refere:
… tem vindo a ser desenvolvido há já alguns anos um conjunto de acções visando inventariar, valorizar, promover e salvaguardar o receituário português, com o objectivo primeiro de garantir o seu carácter genuíno e, bem assim, de promover o seu conhecimento e fruição, por forma, ainda, a que se transmita às gerações vindouras.
Ninguém pode colocar em causa a importância de “inventariar, valorizar, promover e salvaguardar o receituário português”, mas pode legitimamente perguntar-se o que, exatamente, já se fez nesse sentido?
Sobre a valia económica da gastronomia portuguesa, pode ler-se: Esta dimensão de cariz eminentemente económico vem assim acrescer à valia sócio-cultural que a gastronomia portuguesa representa. Este é, talvez, o grande desafio futuro da nossa gastronomia e dos nossos vinhos. Será que conseguiremos que a “dimensão de cariz eminentemente económico”, importante e indispensável, não se sobreponha à “valia sócio-cultural que a gastronomia portuguesa representa”?
Nota – Este texto pretende, essencialmente, não deixar passar em branco uma data que é, inquestionavelmente, importante para a gastronomia portuguesa e, por associação legítima e natural, dos nossos vinhos.
Foto de capa: Google sites