Muito antes da comida se tornar uma ‘obsessão televisiva’ (desde programas de talentos a documentários, rubricas de cozinha ao vivo na hora do almoço, Masterchefs, etc.), o cinema já considerava a representação da comida como algo atrativo, mas sobretudo complexo e cheio de significado.
O cinema e a comida sempre se espelharam, compreenderam e desafiaram até se fundirem num único estímulo dos sentidos. E isto acontece no cinema de todo o mundo, desde o cinema italiano até ao cinema alemão.
De facto, alguns filmes revelam a sua abordagem ao assunto diretamente no título: ‘Kitchen’, ‘Delicatessen’, ‘Cook Up a Storm’, ‘Chocolat’, ‘La Gran Bouffe’ (A grande Farra) e muitos outros. Em todos os casos, a cozinha (entendida como a técnica e o prazer de cozinhar) está no centro da história, enquanto que a cozinha (entendida como o espaço dentro de casa) é um conjunto fundamental, seja um restaurante ou um simples cozinheiro doméstico.
Em muitos casos, mesmo que o cinema não consiga transmitir organolepticamente o gosto dos pratos representados nas imagens, pode fazer-nos crescer água na boca e, nos melhores casos, quase que nos consegue dar a sensação de saborear o prato. Na obra-prima da Pixar Ratatouille, por exemplo, quando o feroz crítico alimentar Anton Ego redescobre sabores esquecidos graças ao prato que dá o título ao filme, o espectador tem a sensação de quase conseguir cheirar as matérias-primas que permitiram ao engenhoso ratinho exibir a sua arte culinária.
Comida, identidade e poder
Através da alimentação, o cinema também nos ajuda a conhecer as culturas de outros povos, mas nem sempre a gastronomia é retratada de uma forma positiva.
Quentin Tarantino, realizador, argumentista, produtor, ator, diretor de fotografia e crítico de cinema, fez da comida uma protagonista dos seus filmes, colocando-a muitas vezes no centro dos discursos e dos significados dos mesmos, sem deixar nada ao acaso ou ao acidental. A comida é cultura, conhecimento e emoção, mas também pode ser hierarquia: através dela construímos relacionamentos, como iguais, de submissão ou de dominação.
No seu film ‘Inglorious Basterds’, o relizador usa os alimentos como uma forma de poder, ou melhor, o seu personagem Hans Landa interpretado por Christoph Waltz, utiliza-a como um caçador que brinca com as suas presas, usando a comida como ferramenta para criar um relacionamento, uma simpatia, uma zona de conforto, e quando a vítima se sente confortável, ele ataca-a. Tudo isto é bastante evidente na famosa ‘cena do strudel’: a comida é utilizada pelo nazi como instrumento para dominar a vítima. Nesta cena Quentin Tarantino utilizou a comida como ferramenta narrativa, e esta cena, é uma obra-prima: comer um strudel para delinear toda uma relação de poder, o poder do cinema.
Veja aqui esta cena genial de ‘Inglorious Basterds’:
https://www.youtube.com/watch?v=J9TUuZ62xgg
Imagem capa: https://gointothestory.blcklst.com
Adaptado de: https://www.facebook.com/Voglia-di-cinema-112589613465374