Na Beiralacte há 40 anos que se produzem queijos procurando aliar a qualidade ao saber de gerações.
Descendentes de famílias queijeiras da região da Cova da Beira, os proprietários da Beiralacte produzem queijos desde 1981, aliando os modernos padrões de controlo de qualidade à arte e saber de gerações.
Berta Godinho, responsável comercial da empresa, respondeu desta forma às nossas questões:
Quem são as pessoas da Beiralacte?
A Beiralacte fez este ano 40 anos e conta atualmente com o senhor António Carlos Godinho, o fundador da empresa, que continua a trabalhar como gerente, mas também com 30 colaboradores, 20% dos quais com ensino superior, que trazem com eles a parte prática e teórica do saber fazer, e ainda um conjunto de colaboradoras que estão connosco desde o início da fundação da empresa e que são os principais responsáveis pela feitura do queijo pois possuem a mestria, o conhecimento e o saber fazer.
O senhor Godinho tinha já na sua família pessoas que trabalhavam nesta arte de vender queijos. A sua mãe era aquilo que se chamava uma afinadora, era uma senhora que comprava queijo em fresco a agricultores que faziam o seu queijo do leite, e depois ela nas suas caves curava-o e vendia-o nos mercados da região, ou seja, não fabricava os queijos, mas curava-os para que tivessem uma determinada característica de cura. Também o senhor Godinho iniciou a sua atividade como afinador, mas depressa compreendeu que só pelo fabrico e trabalhando os queijos desde o início conseguiria obter a qualidade que pretendia. E foi desse objetivo que nasceu a vontade de constituir a empresa e fabricar os seus próprios queijos.
Atualmente podemos dizer que para além de fabricantes, também somos afinadores dos próprios queijos e fazemos o trabalho de venda dos mesmos, só não somos os detentores dos rebanhos. No entanto, apesar de não sermos os produtores do leite, temos trabalhado sempre em grande proximidade com os produtores que são os nossos primeiros parceiros de negócios e garantes da qualidade que pretendemos no produto final, porque de facto fazer um bom queijo requer uma boa matéria-prima e nós temos dois colaboradores que todos os dias fazem a recolha do leite em produtores da região com quem temos grande proximidade: trabalhamos com eles para continuada melhoria do produto e da matéria-prima, contando com duas pessoas responsáveis pela qualidade que muitas vezes fazem visitas às propriedades dos produtores de leite para afinar pormenores que possam não estar tão bem. Posso adiantar que neste momento 100% do leite que utilizamos é português e 99% é da nossa região.
Que desafios enfrentam no dia-a-dia?
Muitas vezes perguntam-nos se há inovação no nosso setor, e muitas pessoas perguntam mesmo o que é a inovação no nosso setor. Por vezes a inovação pode ser introduzir algumas ervas nos queijos, fazer moldes novos e essas coisas estranhas…para nós a inovação, e é isso que nos dá maior trabalho, é preservar a qualidade e os sabores oriundos dos saberes-fazer antigos, mas fazendo um produto que é ainda melhor na qualidade e no sabor. E depois temos o trabalho do dia-a-dia, que é uma dificuldade constante, porque por um lado, queremos manter um produto genuíno, e isso requer muito de artesanal, de saber-fazer, e da mão de quem faz, mas por outro lado, como é um produto difícil porque qualquer coisa o faz variar na qualidade final, desde a temperatura do dia, ao pasto que o animal comeu, até à pessoa que lhe pôs o sal, a nossa dificuldade é manter exatamente a qualidade que queremos.
Em termos económicos coloca-se o desafio de, com o aumento crescente de custos, que têm vindo a refletir-se no gasóleo, nos plásticos que utilizamos para fabrico, etc. e com os nossos fornecedores a pedir-nos o aumento do preço do leite, debatemo-nos com a dificuldade é conciliar tudo isto com o preço de venda do produto final.
Outra dificuldade é o facto de o consumidor muitas vezes não saber valorizar bem produto como deveria, porque se nós queremos pagar bem o leite e ter uma matéria-prima boa, necessitamos que saibam valorizar o produto no fim, e por norma o cliente não valoriza suficientemente o trabalho e o produto e isso é uma grande dificuldade. Nós colocamos no mercado muitos produtos com Denominação de Origem Protegida (DOP), mas o cliente tem pouca informação e não sabe muitas vezes o que é a denominação de origem protegida e isso desvaloriza muito o produto. Muitas vezes veem outro queijo mais barato ao lado, que não tem a mesma qualidade e acham que é tudo a mesma coisa, mas não é. E essa é a nossa maior dificuldade, valorizar e fazer chegar essa informação ao cliente.
Atualmente, o consumidor português valoriza os produtos regionais?
Penso que não valoriza o suficiente, e muitas vezes, o motivo é a falta de informação. As pessoas muitas vezes comparam queijos como se fossem todos iguais e não são. As pessoas não valorizam porque não existe uma cultura de queijos em Portugal. Por exemplo, se formos para a França, as pessoas gostam de ter vários queijos porque identificam que são diferentes, que têm sabores diferentes e que uns combinam melhor acompanhados por um determinado vinho do que outros. Existe uma cultura de saber comer e saborear o queijo, que em Portugal não existe. Nós, por exemplo, produzimos vários queijos, e entre os nossos queijos da Beira Baixa e os queijos do Alentejo, da Serra da Estrela ou das Ilhas, há uma grande diferença, e as pessoas não sabendo identificar essas diferenças, não as valorizam. Tem-se vindo a fazer algum trabalho, sobretudo pelos próprios produtores, de informar os seus clientes, mas é um trabalho um bocadinho ingrato porque é muito difícil ser um produtor sozinho a explicar estas coisas.
Deveria haver uma maior sensibilização de várias áreas, inclusivamente por parte do governo e das entidades que acompanham estas coisas. Hoje em dia algumas entidades valorizam muito alguns produtos e não valorizam nada outros. E no caso do queijo repare-se que dentro de um país tão pequeno como o nosso, há tanta variedade. Mesmo dentro da nossa região existem pelo menos 3 denominações de origem muitíssimo diferentes.
Numa era marcada pela industrialização, algumas das técnicas ancestrais vão-se perdendo no tempo e nas gerações seguintes. Que tipo de iniciativas promovem para que não se perca a tradição junto dos mais jovens?
Nós estivemos recentemente integrados numa iniciativa de uma escola secundária da nossa região, ali do Fundão, em que se pretendia levar às faixas etárias do 7º ao 9º ano, a ‘cultura dos queijos’. Vieram algumas empresas experimentar, fomos fazer seminários de informação sobre o queijo, como se faz, as dificuldades, os sabores, para que os mais novos começassem a valorizar. Essa iniciativa foi uma parceria entre a escola e as empresas de queijo da região, e foi engraçado constatar que havia crianças e jovens de 16 anos que não conheciam e nunca tinham provado os queijos da nossa região, mesmo tendo vivido toda a vida aqui.
Por vezes o problema é que nós temos tendência para dar aos mais pequeninos queijo flamengo ou daqueles queijos pasteurizados que não são queijos e sabores da nossa região, e isso leva a que eles acabem por não aprender sobre os nossos sabores. E este género de queijos são uma aprendizagem porque são sabores distintos e alguns até fortes. Estivemos também numa iniciativa que se chama a Escola dos pastores, uma iniciativa levada a cabo pelas Câmaras municipais de Castelo Branco e do Fundão e pela Associação Produtores de Queijo de Castelo Branco, onde participaram várias empresas como nós, no sentido de valorizar os pastores de rebanhos e promover esta profissão, para que as pessoas não começassem a desistir desta profissão, que é um trabalho de todos os dias, são trabalhos que não são das 8 às 17.
É importante que continuem a existir produtores de leite, para dar continuidade às empresas de queijo. Além disso fazemos o trabalho do dia-a-dia, quando vendemos um queijo explicamos o que é os seus valores, explicamos que como quem bebe vinho identifica sabores a fruta, ou a carvalho, com o queijo pode-se fazer exatamente a mesma coisa e consegue-se saborear o queijo e fazer com que seja um momento de prazer e não só de alimentação.
Acredita que os produtos tradicionais portugueses são instrumentos importantes para a valorização dos territórios de origem?
São sempre. Por um lado, valoriza-se em termos económicos a região, se existir um bom produto associado a uma determinada região, como por exemplo, os queijos de denominação de origem, que têm de ser fruto de leite da região e de produção da mesma região, esta sai mais rica em emprego e em gente porque continua a fixar gente na região. Por outro lado, produtos genuínos e tradicionais, fazem-nos sempre lembrar a nossa região, eu digo isto muitas vezes, quando nós provamos o queijo, ao saboreá-lo, podemos lembrar-nos do sol, fazer a conexão com as mais profundas recordações da nossa terra. Eu creio que o produto tradicional valoriza e engrandece até as características ambientais e climáticas do que cá existe. Eu acredito que enquanto houver produtos genuínos a serem fabricados na região, isso irá sempre valorizar a região com emprego e com pessoas, porque uma região existe enquanto houver gente cá, se não torna-se um deserto.
Como asseguram a qualidade dos queijos?
Nós trabalhamos todos os dias para que exista um HCCP interno muito rigoroso, e a qualidade dos queijos começa no início. Nós fazemos uma bateria de avaliação do leite à recolha e à chegada, para verificar que todos os parâmetros estão em conformidade para se poder produzir o queijo, e se o leite estiver em conformidade, então dá entrada na empresa e é fabricado. Para além disso, temos uma rastreabilidade muito grande em que x leite vai dar x queijos e esses x queijos vão percorrendo a empresa e vai havendo um registo muito pormenorizado: é identificado logo o lote ao fabrico, que nos permite saber desde que produtor é que forneceu o leite para aquele lote, até ao fim, ou seja, sabemos em que local vendemos e quantos queijos vendemos. Por outro lado, fazemos um painel de provadores interno, em que vamos de vez em quando provar dos nossos queijos para verificar se estão em conformidade com a qualidade organolética que pretendemos.
Os produtos da Beiralacte
Queijos da Beira Baixa DOP – Picante, Queijo de Ovelha Curado, Queijos da Beira Baixa DOP – Amarelo, Queijo de Cabra, entre outros. Na Beiralacte cuidam da origem dos ingredientes como primeiro passo para garantir um produto tradicional de excelência.
Este produtor integra a plataforma Smartfarmer e os seus produtos estão disponíveis aqui: https://smartfarmer.pt/produtor/queijos-da-beiralacte/.
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