//Chefe Silva – Biografia (7)

Chefe Silva – Biografia (7)

Saiu do Hotel Palace a 30 de Maio, descansou um dia e a 1 de Junho de 1972 lá estava, integrado no grupo que abriu o Hotel Praia Golfe em Espinho.

Rumo ao Norte

Regressado de Moçambique receou ficar muito tempo sem trabalho. Mas passados apenas três dias estava no Hotel Avenida Palace como segundo chefe.
Em Maio de 1965, após sete anos de ausência da “metrópole”, não notou grande evolução ou substanciais diferenças do que tinha cá deixado.

Embora naquela altura existisse uma grande influência da cozinha francesa e até algumas das ementas fossem mesmo escritas em francês, o Chefe Silva não esquece que por exemplo no Hotel Suísso, dez anos antes, também fazia uma chispalhada “que até era servida como acepipe”, acrescentando ainda o exemplo da jardineira, bem diferente da que se faz hoje, “porque a batata era assada no forno e depois misturada no fim”. Aprendeu com os galegos, considerados os melhores caçarolas (que sabiam trabalhar com o tacho) e chamavam a este prato a xardineira.

Saiu do Palace a 30 de Maio, descansou um dia e a 1 de Junho de 1972 lá estava, integrado no grupo que abriu o Hotel Praia Golfe em Espinho.
Nesta região de bom peixe gostava de frequentar os restaurantes em volta, “para ver o que lá se faziam de bom” e criou pratos como o robalo à praia golfe, com um molhinho feito com amêijoas, salsa e alho.
Aproveita para recordar que “há muito tempo que eu fazia a chamada cozinha empratada, porque os empregados de mesa não sabiam servir como hoje. Mandava o prato já devidamente preparado e decorado da cozinha e era só colocar na frente do cliente”.

Orgulha-se de insistir na utilização do chamado peixe pobre como por exemplo, “as petinguinhas de escabeche que os clientes adoravam”.
Em Espinho havia o Zagalo que fazia uma excelente caldeirada que levava cominhos. O Chefe ia lá comer tentando perceber as diferenças em relação ao que se fazia no sul, nomeadamente na Costa da Caparica e em Setúbal.
Empresta à conversa aquele característico sorriso franco para confessar que “quando os clientes diziam que a minha caldeirada parecia a do Zagalo, era para mim o maior elogio do mundo”.
Saiu a 28 de Fevereiro de 1973 do Praia Golfe e entrou a 1 de Março no Dom Henrique em plena cidade do Porto.
Vale a pena aproveitar esta ocasião para recordar o “aparecimento” deste emblemático hotel da cidade Invicta.

Proprietário de um terreno na esquina da rua Guedes de Azevedo com a rua do Bolhão, Pinto de Magalhães foi contactado pelos arquitetos Loureiro e Pádua que apesar de jovens tinham já ‘nome na praça’ e contam hoje com obras classificadas, entre elas o próprio hotel Dom Henrique.
Pretendiam os arquitetos que o banqueiro visse um ‘boneco’ que haviam concebido para implantar naquele terreno.
Perante uma proposta para uma torre com 19 andares, Pinto de Magalhães exclamou que “se alguém autorizasse a construção de uma torre deste tamanho aqui no Porto, até poderiam começar a construir já amanhã”.
Passado algum tempo, arquitetos, projetos e autorizações, apresentaram-se ao investidor e construiu-se… uma torre para escritórios.
Quando a torre já estava concluída, Pinto de Magalhães chegou á conclusão que o Porto, naquele local privilegiado, não precisava de escritórios mas sim de um hotel.
Deu instruções para que fossem alterados os projetos de interior e nasceu assim o Hotel Dom Henrique. Uma alteração que obrigou a limitar a oito, o número de quartos por piso.

Consciente da máxima popular que aconselha o “sapateiro a não tocar rabecão”, Pinto de Magalhães, homem ligado ao mundo dos negócios, atribuiu a concessão da unidade hoteleira a Alexandre Solleiro que, vindo do hotel Infante de Sagres fez a abertura do Dom Henrique. Curiosamente, duas unidades hoteleiras com designações relacionadas com a mesma figura histórica ligada aos descobrimentos portugueses e nascida no Porto.
O Dom Henrique conheceu outros concessionários mas manteve-se sempre ligado á família da sua fundação. A partir de 1998 passou mesmo a ser gerida por uma empresa de uma das herdeiras de Pinto de Magalhães.
Quanto ao Chefe Silva, fala com muito orgulho das 9 variedades de fumados que apresentava no restaurante do hotel. Salmão, espadarte, truta, enguia, chicharro, pato, peru, lombo de porco e ganso de vaca. Tinha também empadinhas de lampreia que conseguia servir até Agosto/Setembro, por via da congelação.
O Chefe faz questão de recordar que o D. Henrique tinha então 3 tipos de cozinha. A dos clientes com pensão completa, a dos que comiam a refeição da casa e o serviço à lista.

Um dia o 3º cozinheiro esqueceu-se de colocar as batatas a cozer. Irritado com o facto, o Chefe deu um violento murro na mesa e partiu um dedo. Calou-se, embrulhou o dedo no pano da cozinha, chamou o patrão pelo telefone e contou-lhe o sucedido.
Foi uma ocasião pouco comum, já que não era hábito ter este tipo de reações.
Normalmente era uma pessoa calma e com um grande sentido de formação. “Eu era chefe e por isso tinha a grande missão de ensinar”.

No dia 25 de Abril de 1974, pelas 10 horas da manhã estava na cozinha, no 16º andar, quando foi despertado para uma grande barulheira “lá em baixo”, na rua.
Logo os presentes conjeturaram razões para aquele ajuntamento e houve quem – apesar da total proibição de protestos – admitisse tratar-se de uma revolta por causa do aumento da gasolina. “Meti-me no elevador e vim ter com o despenseiro. Perguntei o que se passava e ele respondeu que tinha acontecido qualquer coisa em Lisboa. Um bocado a medo lá me disse: parece que o governo caiu”.
Tinha na altura 40 anos e confessa que não sabia o que era isso da democracia. “Mas achava que seria melhor do que o que se vivia e por isso fiquei muito contente”.

Como muitos milhões de portugueses criou expectativas e pensou imediatamente que a partir dessa data poderia, finalmente, falar-se mais à vontade. Ficou desiludido quando percebeu que muitos “começaram a falar demais. A dizer muita asneira. Mas era fruto da situação que se vivia. O pior é agora, passados tantos anos, ainda se dizer tantos disparates”.

(Nota – Os textos aqui reproduzidos foram publicados em 2008 pelo que poderão verificar-se ‘desatualizações’)

Chefe Silva – Biografia, tem o patrocínio de:

 

Do valor dos patrocínios, 25% é atribuído à área de Formação da ACPP – Associação de Cozinheiro Profissionais de Portugal, de que o Chefe Silva foi um dos fundadores.

Nota – Pode consultar todos os capítulos já publicados em:

https://jornalsabores.com/category/gastronomia/chefe-silva/