//‘Bifes de cabeça chata’

‘Bifes de cabeça chata’

As Casas das Iscas, a origem deste nome e outras curiosidades das iscas ‘com ou sem elas’, uma iguaria lisboeta. Conhece o ‘fado das iscas’?

A partir dos anos 80 do século passado, os pregos e as bifanas no pão começaram a substituir as lascas finas de fígado de vaca e de porco, consideradas a partir desta altura comida de pobre que, na verdade, já antes eram. E precisamente por se tratar de uma ‘especialidade’ consumida, sobretudo, por pessoas menos abonadas que as compravam a vendedores de rua ou nas tascas, chamavam-lhes ‘bifes de cabeça chata’. Para quem o orçamento não chegava ao bife, as lascas de fígado fininhas (cabeça chata), tinham que satisfazer.
O escritor Fialho de Almeida dizia (escrevia) que “uma pratada de iscas era o ‘foie-gras’ dos pobres”. Mas havia quem, por força de um orçamento ainda menor, se contentava com o pão embebido no molho (grosso) das iscas.

As ‘Casas das Iscas’

No século XIX e inícios do século XX, sobretudo na baixa de Lisboa, entre as várias Casas de Comida, existiam as ‘Casas das Iscas’ dedicadas exclusivamente à confeção de Iscas com ou sem elas, com um balcão alto de tampo em madeira ou mármores e pipas de tinto ‘carrascão’, de palhete e de branco.
O fígado de porco ou vaca converteu-se, principalmente a partir do século XIX por via da criação e popularização das iscas, num petisco eminentemente lisboeta ao alcance de todos, por dois ou três tostões.
Há quem atribua a introdução das iscas em Lisboa, aos taberneiros galegos.

As iscas ‘com elas e sem elas’

Eduardo Fernandes, jornalista e dramaturgo (1870-1949), em ‘Petisquinhos de Lisboa’ escrevia:
…Custavam um vintém sem elas, e trinta réis com elas, ou seja com batatas cozidas e cortadas às rodas, que lhes davam um sabor particular (…)
O galego que confeccionava o fígado (…) de que se faziam as iscas…sabia cortá-lo em folhas de uma espessura transparente… As iscas transitavam depois para uma salmoura de vinagre, raspas de baço, alho, louro, sal e pimenta e outros ingredientes e temperos, ficando ali a abororar largo tempo… um comprido garfo de ferro, que servia para arremessar depois as iscas à frigideira sobre a banha de porco que fervia. A banha tinha-a o galego perto, em grandes boiões de barro, de onde a extraía com uma monstruosa colher de pau, às vezes até só com os dedos, e a frigideira só lá de tempos a tempos se lavava, acumulando os resíduos das iscas de muitos meses… As batatas estavam cortadas à parte, no tacho onde haviam sido cozidas, e eram espalhadas à mão sobre o pratinho.

O Fado das Iscas

A popularidade desta oferta culinária era tanta, que em 1938 estreou no Teatro Apolo uma revista intitulada ‘Iscas com Elas’ e Hermínia Silva gravou um disco onde interpretava o ‘Fado das Iscas’.
Com o mesmo título, o artista José Freire havia de ter grande êxito com um fado de José de Oliveira Cosme / Jaime Mendes, de que deixamos um ‘cheirinho’.

No tempo das patuscadas
Das guitarras e touradas / Das hortas, do carrascão
Eram as iscas o prato
De mais consumo e barato / Na vida dum cidadão

E ninguém se envergonhava
Toda a gente que passava / Entrava nessas vielas
A gente sentia-se bem
Sendo simples era um vintém / Trinta réis se eram com elas

Foto iscas: igauriascaseiras.blogspot.com