//As estrelas Michelin “interessam a quem”?

As estrelas Michelin “interessam a quem”?

Na sequência das notícias de atribuição das estrelas Michelin deste ano, recebi um telefonema de um amigo com a pergunta: “ouve lá, essa coisa das estrelas Michelin interessam a quem?”

Partilho agora convosco, não exatamente o que respondi, mas o que manifestei no telefonema referido. Convém, talvez, acrescentar que este meu amigo é o que se costuma chamar ‘um bom garfo’, desloca-se propositadamente para comprovar o que dizem de um determinado restaurante e ainda não viveu nenhuma experiência com a cozinha moderna em Portugal. O que, sobretudo porque a disponibilidade financeira não é, para ele, fator impeditivo, lhe retira argumentos nalgumas discussões.

As estrelas Michelin interessam, em primeiro lugar, aos premiados e respetivos restaurantes porque, evidentemente, constituem um aumento de notoriedade que se refletirá num crescimento do número de clientes nacionais e também, ou sobretudo, internacionais. E essa é uma das razões porque também interessam ao turismo nacional.

Sabemos o contributo da gastronomia para o crescimento do turismo gastronómico (e vínico) nomeadamente com as propostas de cozinha tradicional tão elogiadas pelos turistas. Mas a cozinha moderna, contemporânea ou de autor, nomeadamente através da promoção de que beneficiam os restaurantes que recebem as ambicionadas estrelas, presta igualmente um enorme serviço ao sucesso turístico que Portugal tem vindo a registar nos últimos anos. Trata-se de promover a nossa gastronomia num segmento com elevado poder de compra que, obviamente, muito interessa à economia nacional.

Mas interessa também a um significativo número de produtores que fornecem produtos de qualidade superior para confeção dos sofisticados pratos que estes chefes de cozinha criam.

E o que é que isso interessa para a gastronomia tradicional? A esta pergunta tive mais alguma dificuldade em responder.

É verdade que os chefes da nova geração – e já não estou a falar de ‘estrelados’ – dizem-se sempre inspirados na cozinha da região onde nasceram ou nos sabores da mãe e da avó. Mas as suas criações, na maior parte das vezes, integram produtos ‘importados’ e usam técnicas modernas que tornam difícil encontrar essas ‘raizes’ ou referências.

E quando o meu amigo tentou entrar na fase, que já conheço, de argumentar com a pouca quantidade de comida no prato, os nomes mais ou menos sofisticados e alguns ingredientes «esquisitos» perguntei-lhe, como habitualmente, qual tinha sido a sua experiência em cozinha moderna. Como habitualmente, a resposta continua a ser… “nenhuma”.

Ficou então combinado, como habitualmente, que um dia destes havemos de ‘experienciar’ e, antes que viesse o habitual argumento da pouca quantidade no prato expliquei, como habitualmente, que se tratará dos chamados menus de degustação com três, quatro ou cinco pratos.

Tenho fé que seja ele a pagar mas, pelo sim, pelo não, hei-de sugerir um dos bons mas por precaução, vou passar longe dos ‘estrelados’, em especial nos tempos mais próximos. Só porque, certamente, vai ser dificil marcar mesa.

E também, confesso, porque o meu amigo pode não se oferecer para pagar.

Amilcar Malhó